UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE LETRAS
FILOSOFIA
A DOUTRINA DO FALSEAMENTO EM
KARL POPPER
SEMIN�RIO CIENT�FICO
Trabalho realizado por: ALEXANDRE MARQUES
Coimbra
1998
INTRODU��O
� f�cil, na morte de um fil�sofo, pressentir se a sua
obra lhe sobrevive ou n�o. Isso tem a ver n�o com o coro de elogios e de lamenta��es
que o seu desaparecimento suscita mas com outra coisa bem mais decisiva e discreta, que �
o lastro que ele deixou na filosofia e na cultura do seu tempo e que se reconhece nos
novos conceitos que inventou e nos novos problemas que formulou.
S�o estes que garantem a relativa imortalidade �relativa� porque
nem ela escapa �s vicissitudes do tempo, apenas lhe resiste melhor de uma obra, ao
apontarem para a sua metamorfose numa heran�a. H� j� alguns anos que o pensamento de
Karl Popper (1902/1994) se transformou numa tal heran�a, que resultou do trabalho
desenvolvido com enorme energia entre os anos trinta e os anos setenta e que marcou a
filosofia contempor�nea em duas �reas espec�ficas: a da filosofia da ci�ncia e a da
filosofia pol�tica.
De origem austr�aca, Popper foi fortemente influenciado pelo ambiente
cultural da Viena das primeiras d�cadas do s�culo, a� tendo estudado Matem�tica,
F�sica e Filosofia no momento em que emergia uma corrente filos�fica que viria a ter
impacto mundial, o neopositivismo. Considerado desde o in�cio a oposi��o �oficial� a
este movimento, Popper travar� uma intermin�vel controv�rsia com o positivismo,
encetada ainda na �ustria com a publica��o, em 1934, da sua L�gica da Descoberta
e prolongada depois em Inglaterra (onde, a seguir a curto ex�lio na Nova Zel�ndia, se
instalou a partir de 1945, ensinando na prestigiada London School of Economics)
com a publica��o de v�rias obras, de que se destacam The Open Society and Its
Enemies (1945), The Poverty of Historicism (1957), Conjectures and
Refutations (1963) e Objective Knowledge (1972).
O positivismo foi, talvez, para Popper, mais do que uma filosofia precisa, a
matriz dos dogmatismos e das ortodoxias que, em todos os dom�nios, ele procurou combater.
No cerne dessa matriz, Popper descobriu uma concep��o secular, a que identifica a
ci�ncia como uma actividade estritamente indutiva que, a partir de umas tantas
observa��es e experi�ncias, avan�a hip�teses e formula leis sobre fen�menos,
procedendo depois � sua generaliza��o e verifica��o. Foi esta concep��o que a
ing�nua espistemologia da Modernidade consagrou como paradigm�tica no �mbito das
ci�ncias naturais e, depois, pretendeu exportar para o conjunto dos saberes e
disciplinas.
O positivismo de Comte foi, no s�culo XIX, um primeiro e frustrado
lance desta ambi��o imperial, que o empirismo l�gico do C�rculo de Viena
voltou, nos anos vinte e trinta do nosso s�culo, a assumir, ent�o atrav�s de uma
perspectiva que, combinando os cl�ssicos preceitos positivistas com a inspira��o do
modelo de an�lise l�gica proposto por Russell, deveria permitir n�o s� uma organizada
unifica��o da ci�ncia como a sua blindagem em rela��o �s suas tenta��es
metaf�sicas. � desta posi��o que decorrem as famosas distin��es entre frases �com�
e �sem� sentido, que propiciam um breve, mas intenso, momento de frenesim
epistemol�gico nos anos trinta.
Para esta brevidade contribuiu decisivamente Popper, ao recuperar uma
esquecida boa ideia de Hume para contestar a imagem da ci�ncia que se encontrava na base
das pretens�es do positivismo e sustentar que a ci�ncia n�o � de ordem indutiva mas conjectural
e que, por isso, se deve trocar as exig�ncias da verificabilidade pelas da falsificabilidade.
Tal como j� fizera David Hume, Popper analisa os fundamentos l�gicos do procedimento
indutivo concluindo que, por maior que seja o n�mero de observa��es particulares, n�o
h� justifica��o racional para a sua generaliza��o a todos os casos.
Como diz Popper, mesmo que se tenham observado milhares de
cisnes brancos, nada nos autoriza a afirmar que �todos os cisnes s�o brancos� e
bastar� uma �nica observa��o de um �nico cisne negro para refutar aquela
proposi��o. As infer�ncias indutivas n�o conferem ao conhecimento nem necessidade
l�gica nem validade universal, pelo que, para Popper, a ci�ncia n�o � mais do que um
conhecimento conjectural. Em vez de indu��o, Popper prop�e que se fale em conjectura��o
e, em vez de verifica��o, em falsificabilidade.
A ideia � que a ci�ncia, como conhecimento em geral, � uma actividade que
se caracteriza sobretudo pela ousadia imaginativa das suas hip�teses e que estas se devem
sempre formular de modo a exporem-se � experi�ncia, que tanto as pode afastar,
falsificando-as, como confirmar, corroborando-as. Deste modo, quanto mais uma hip�tese
afirmar sobre o mundo (isto �, quanto maior for o seu conte�do emp�rico) mais se
arrisca a ser falsificada; pelo que, se n�o o for, os seus poderes heur�sticos ficam
bastante robustecidos.
E a conjuga��o desta exig�ncia de falsificabilidade com a valoriza��o da
actividade de conjectura��o permite ainda bloquear a ambi��o positivista de instituir
crit�rios de sentido que excluam ou marginalizam quaisquer dom�nios de saber, uma vez
que o sentido aparece sempre, para Popper, solid�rio da problematicidade que germina, sem
excep��o, por todas as �reas do conhecimento e da ac��o dos homens.
Esta perspectiva cont�m apreci�veis consequ�ncias num dom�nio geralmente
negligenciado pelos fil�sofos da ci�ncia, o da pol�tica. Foi, sem d�vida, a situa��o
pol�tica dos anos trinta que imp�s a Popper uma particular aten��o a este campo,
levando-o a reagir, primeiro ao triunfo do nazismo, depois � irradia��o do comunismo.
Popper identifica nestas formas de totalitarismo uma concep��o claustral da
sociedade, que teria tido em Plat�o, Hegel e Marx os seus ide�logos e no historicismo a
sua justifica��o fundamental. N�o um historicismo que, na linha, por exemplo, de
Manheim, aponte para a compreens�o contextual dos acontecimentos, mas um historicismo
cientista que sustenta previs�es a partir de supostas leis da Hist�ria, com base no
pressuposto de que a Hist�ria tem um sentido e que ele se encontra no seu pr�prio
progresso.
Popper criticou imenso esta pretens�o na qual via a outra face do que designou por
�utopismo� - , sobretudo por ela procurar fazer ci�ncia do que, sendo singular e n�o
recorrente, n�o pode ser tratado a n�vel cient�fico. Um exemplo particularmente �bvio
dos limites e da �mis�ria� de um tal historicismo apontou-o Popper (ent�o ao arrepio
do �ar dos tempos�) no marxismo, salientando o gritante contraste entre o sentido
�ltimo que o materialismo hist�rico pretendia evidenciar na Hist�ria e a linha de
acontecimentos que irrompiam na Hist�ria real.
O historicismo cientista contamina a pol�tica com dois pressupostos
nefastos: o de que a evolu��o hist�rica pode ser pensada em termos biol�gicos e o de
que a compreens�o dessa evolu��o se pode fazer em termos indutivistas. S�o eles que
balizam a concep��o claustral da sociedade contra a qual Popper tematizou a ideia de uma
sociedade aberta. Tomando esta posi��o de Bergson, mas despojando-a do seu car�cter
religioso, Popper caracterizou a sociedade fechada por ser m�gica (isto �, incapaz de
distinguir as leis humanas das naturais) autorit�ria, est�tica e tribal, e definiu a
sociedade aberta por ser laica (isto �, capaz de distinguir entre o que � e o que n�o
� de ordem convencional ou institucional) cr�tica, evolutiva e individualista. Mais do
que tra�os factuais, trata-se sobretudo de elementos de dois �tipos-ideais� que
permitem configurar n�o s� dois modelos alternativos de sociedade mas tamb�m duas
orienta��es bem distintas da ac��o pol�tica.
O liberalismo de Popper traduziu-se na aposta sem ambiguidades na
superioridade do modelo que a sociedade aberta prop�e e que se exibe bem na compreens�o
que ela viabiliza das patologias totalit�rias. Elas decorrem, para Popper que via
nos casos do fascismo e do comunismo exemplos vivos desta tese , dos conflitos e
dos impasses, do desamparo e dos traumas que os complexos processos de diferencia��o das
sociedades modernas imp�em e que suscitam uma intensa nostalgia de uma �totalidade� em
que os indiv�duos se sintam mais integrados e protegidos.
Sobre o fundo de uma concep��o evolucionista do conhecimento que situa no
vigor da imagina��o e na obstina��o da cr�tica o principal tra�o da racionalidade
humana e, como escreveu um dia, a principal diferen�a entre a amiba e Einstein - ,
foi contra os obscuros defeitos desta forma de nostalgia que Popper sempre defendeu a
ideia, o projecto, de uma sociedade aberta, que se pode ver como emblema reformista em que
procurou sintetizar os seus dois temas mais constantes: o do falibilismo do
conhecimento e o da conting�ncia da ac��o.
M. M. Carrilho
O objectivo deste trabalho � analisar, no contexto da
filosofia da ci�ncia, as propostas de Karl Popper, respeitantes ao crit�rio de
demarca��o entre o discurso cient�fico e outros tipos de conhecimento, a sua
concep��o inovadora do m�todo cient�fico e as consequ�ncias que da� resultam para a
ideia de progresso cient�fico.
No primeiro cap�tulo, abordaremos a cr�tica de Popper ao m�todo da
verifica��o, demonstrando que "o conceito positivista de �significado� ou
�sentido� (ou de verificabilidade, confirmabilidade indutiva, etc.) n�o � apropriado
para realizar a demarca��o entre ci�ncia e metaf�sica, simplesmente porque a
metaf�sica n�o � necessariamente carente de sentido, embora n�o seja uma
ci�ncia".1
No segundo cap�tulo, procuraremos abordar a nova tematiza��o do ideal
met�dico da ci�ncia, a sua transforma��o pela coloca��o da conjectura��o no
lugar tradicionalmente atribu�do � indu��o e a substitui��o da exig�ncia de
verificabilidade dos enunciados pela de falsificabilidade das hip�teses. Analisaremos a
leitura da evolu��o do conhecimento que da� resulta, leitura que corta com a narrativa
de uma progressiva sucess�o de observa��es e de teorias e que sugere em alternativa um
desenvolvimento problem�tico em que, atrav�s de tentativas e erros, se v�o resolvendo
os problemas e inventando outros.
Finalmente, tiraremos algumas conclus�es sobre as limita��es e
insufici�ncias do falsificacionismo, argumentando que a hist�ria do conhecimento
cient�fico � rica em exemplos que nos mostram que as primeiras formula��es de novas
teorias, que implicaram novas concep��es imperfeitamente formuladas, n�o se abandonaram
e desenvolveram-se apesar das aparentes falsifica��es, o que traduz uma enorme
felicidade para o desenvolvimento da ci�ncia por n�o ter atendido estritamente �
metodologia do falsificacionismo.
1. A contrasta��o das hip�teses pelo m�todo da
verifica��o.
Para Popper, o problema central da filosofia da ci�ncia
reduz-se em grande parte �quilo que ele designa do problema da demarca��o, isto
�, a tentativa de estabelecer um crit�rio que permita distinguir as teorias cient�ficas
da metaf�sica e/ou da pseudo-ci�ncia. Este ponto inicial, que serve de base � reflex�o
levada a cabo pelo autor, poder� levar-nos � primeira vista, a considerar que estamos
perante o mesmo ponto de partida que estimulou o empirismo l�gico do C�rculo de Viena
nos anos vinte e trinta. No entanto, � urgente precisar que Popper, ao procurar
estabelecer um crit�rio de demarca��o, n�o est� imbu�do da ambi��o positivista de
instituir crit�rios de sentido que excluam ou marginalizem quaisquer dom�nios de saber
(nomeadamente o metaf�sico); uma vez que o sentido aparece sempre, para Popper,
solid�rio da problematicidade que germina, sem excep��o, por todas as �reas do
conhecimento e da ac��o dos homens. N�o se trata pois, da retoma do velho ideal
positivista, que passava pela tentativa de unifica��o da ci�ncia e pela constru��o de
uma blindagem que protegeria a mesma de toda e qualquer tenta��o metaf�sica. N�o � o
regresso �s famosas distin��es entre frases �com� e �sem� sentido, que animaram
fortemente o debate epistemol�gico nos anos trinta, que somos levados a assistir com o
pensamento deste autor. "Popper n�o considera que o problema do significado seja um
problema s�rio, e ao procurar um crit�rio de demarca��o tem exclusivamente o intuito
de delimitar uma �rea do discurso significativo: a ci�ncia".2
Quando deve ser considerada cient�fica uma teoria? Qual o crit�rio que
determina o status cient�fico de uma teoria? H� uma condi��o fundamental para que
qualquer hip�tese tenha o estatuto de teoria cient�fica, essa hip�tese tem de ser falsific�vel.
Popper refere claramente que o problema que o preocupa n�o � determinar quando �
verdadeira ou aceit�vel uma teoria?, mas sim "distinguir a ci�ncia da
pseudo-ci�ncia, sabendo muito bem que por vezes a ci�ncia erra e a pseudo-ci�ncia
acerta".3 Ele conhecia a resposta comummente
aceite para o seu problema: "a ci�ncia distingue-se da pseudo-ci�ncia ou da
metaf�sica pelo seu m�todo emp�rico, que � essencialmente indutivo, isto �,
que parte da observa��o ou da experimenta��o".4 No entanto, essa resposta, n�o o satisfazia. Da�
a reformula��o do problema com o intuito de distinguir "um m�todo genuinamente
emp�rico de um m�todo n�o emp�rico ou at� pseudo-emp�rico, isto �, um m�todo que
embora fazendo apelo � observa��o e � experimenta��o, n�o logra adequar-se �s
normas cient�ficas. Este �ltimo m�todo pode ser exemplificado pela Astrologia, com a
sua enorme massa de dados emp�ricos baseados na observa��o, em hor�scopos e
biografias".5
O crit�rio de demarca��o que Popper encontra impl�cito na obra dos
positivistas � o da verifica��o, crit�rio segundo o qual uma proposi��o �
significativa se, e apenas se, puder ser verificada empiricamente, isto �, se houver um
m�todo emp�rico para decidir se � verdadeira ou falsa. Na falta de tal m�todo � uma
pseudo-proposi��o carente de significado ou, quando muito, uma tautologia. Este
princ�pio foi ligeiramente reformulado pelos empiristas l�gicos que encontraram na obra
de Carnap, a sua carta magna: a� a no��o de verifica��o concludente de uma
proposi��o � substitu�da pela no��o de confirma��o gradualmente crescente,
mediante o recurso � observa��o e � experi�ncia. Importa referir que o conceito de
verifica��o n�o perde a sua liga��o umbilical � verdade: verificar � tornar
verdadeiro ou ver a verdade de algo.
Popper rejeita este crit�rio e toda e qualquer tentativa de construir uma
l�gica indutiva. As suas principais objec��es � l�gica indutivista s�o as
tradicionais. No racioc�nio indutivo passamos de um caso (isto �, de um ju�zo
particular) para todos os casos (isto �, para um ju�zo universal). Qual a
legitimidade l�gica do "salto" que efectuamos nas infer�ncias indutivas? O que
nos autoriza a realizar semelhante tipo de racioc�nio? Se os ju�zos da experi�ncia s�o
sempre particulares e contingentes (isto �, a rela��o que neles se estabelece entre o
sujeito e o predicado � particular e contingente), como se pode formular um ju�zo
universal e necess�rio que legitime as pretens�es das ci�ncias de possu�rem leis com
um car�cter universal e necess�rio (�nicas que permitir�o a previs�o)? Em termos
estritamente l�gicos, a conclus�o de um argumento n�o pode ter maior extens�o ou
conte�do do que aquilo que � afirmado nas premissas. Ora, � precisamente esta
infrac��o que se verifica numa proposi��o cient�fica de car�cter universal, que se
fundamenta em premissas que consistem num conjunto finito de proposi��es singulares.
Popper descobriu uma concep��o secular, a que identifica a ci�ncia como uma actividade
estritamente indutiva que, a partir de umas tantas observa��es e experi�ncias, avan�a
hip�teses e formula leis sobre os fen�menos, procedendo depois � sua generaliza��o e
verifica��o. Foi esta concep��o que a ing�nua epistemologia da Modernidade consagrou
como paradigm�tica no �mbito das ci�ncias naturais e, depois, pretendeu exportar para o
conjunto dos saberes e disciplinas. "Tendo rejeitado a tese de que as proposi��es
cient�ficas podem ser verificadas (...), Popper tenta reconstruir a l�gica da ci�ncia
de forma a que somente a l�gica dedutiva seja suficiente para avaliar as proposi��es
cient�ficas. Esta reconstru��o d� lugar a um novo crit�rio de demarca��o".6
Popper, ao pretender demarcar-se do empirismo l�gico, mais n�o faz do que
mostrar a outra face do car�cter regulador do conceito metaf�sico de verdade, quando
enuncia o princ�pio fundamental do seu falsificacionismo a partir do qual se poderia
determinar a cientificidade de uma proposi��o: uma proposi��o s� pode considerar-se
cient�fica, se dela for poss�vel deduzir um conjunto de enunciados de observa��o que
possam falsific�-la, ainda que n�o a falsifiquem necessariamente. � o facto de uma
teoria cient�fica poder ser teoricamente falsific�vel que determina a sua
cientificidade, � esse facto que permite avaliar o seu grau de verosimilhan�a e que, em
�ltima an�lise, a afasta e demarca de teorias pseudo-cient�ficas, como a Astrologia.
Estas teorias, embora consigam realizar predi��es correctas, s�o formuladas de tal modo
que se torna imposs�vel qualquer tentativa de falsifica��o e, por esta raz�o, n�o
s�o consideradas teorias cient�ficas.
Podemos tentar resumir os crit�rios aceites por Popper para determinar o
estatuto cient�fico de uma teoria, aos seguintes princ�pios:
. Uma teoria que n�o � suscept�vel de refuta��o n�o �
considerada cient�fica. A irrefutabilidade n�o � uma virtude mas sim um v�cio.
. Todo o teste ou contrasta��o � uma tentativa para refutar uma teoria. Neste sentido,
a testabilidade equivale � refutabilidade. Algumas teorias s�o mais test�veis e, por
isso, est�o mais expostas � refuta��o.
. A descoberta de novos factos que est�o de acordo com as predi��es de uma teoria, n�o
confirmam por si s� a teoria mas �nica e exclusivamente a corroboram. Uma teoria que �
corroborada, quando passa um teste ou contrasta��o, isto �, quando uma observa��o
cujo resultado poderia eventualmente refutar a teoria n�o se confirma, robustece a
pr�pria teoria sem no entanto a confirmar.
Ser� �til relembrar, que o crit�rio de
refutabilidade imposto por Popper, n�o consiste num crit�rio de sentido ou
significa��o, mas sim no tra�ar de uma linha divis�ria entre o discurso cient�fico e
outros tipos de conhecimento. As afirma��es de car�cter metaf�sico n�o possuem
estatuto cient�fico na medida em que n�o s�o suscept�veis de ser falsificadas; o seu
car�cter de sentido ou significa��o n�o � posto em causa; � este facto que nos
permite diferenciar Popper das posi��es assumidas pelos autores do positivismo l�gico.
"(...) A tarefa primordial para uma demarca��o entre a ci�ncia e a metaf�sica
consiste em libertar a metaf�sica. (...) � rid�culo proibir que se fale de qualquer
coisa que n�o perten�a � ci�ncia. Foi o que o C�rculo de Viena tentou fazer. O
C�rculo de Viena estabeleceu interdi��es e decretou: s� se pode falar de ci�ncia,
tudo o resto � absurdo."7
"(...) O bem mais precioso do homem s�o as ideias. Nunca temos ideias
suficientes. Daquilo que nos ressentimos � da escassez de ideias. E as ideias s�o um bem
prestimoso, por isso, devemos tratar a metaf�sica com respeito e discutir talvez
das suas ideias surja alguma coisa. (...)" 8
2. A teoria do falseamento de Karl Popper, no sentido estrito.
O falsificacionista admite francamente que a observa��o
� guiada pela teoria e a pressup�e. Tamb�m se congratula de abandonar qualquer
afirma��o que implique que as teorias se podem estabelecer como verdadeiras ou
provavelmente verdadeiras � luz da evid�ncia observacional. Uma vez propostas, as
teorias especulativas ter�o que ser comprovadas rigorosa e implacavelmente pela
observa��o e a experimenta��o. As teorias que n�o superam as provas observ�veis e
experimentais devem ser eliminadas e substitu�das por outras conjecturas especulativas. A
ci�ncia progride gra�as ao ensaio e ao erro, �s conjecturas e refuta��es. "O
m�todo da ci�ncia � o m�todo de conjecturas audazes e engenhosas seguidas de
tentativas rigorosas de false�-las".9 S�
sobrevivem as teorias mais aptas. Nunca se pode dizer licitamente que uma teoria �
verdadeira, pode-se dizer com optimismo que � a melhor dispon�vel, que � melhor que
qualquer das que existiam antes.
Segundo o falsificacionismo, pode-se demonstrar que algumas teorias s�o
falsas recorrendo aos resultados da observa��o e da experimenta��o. Por outro lado �
poss�vel efectuar dedu��es l�gicas, partindo de enunciados observ�veis singulares
como premissas, e chegar � falsifica��o de teorias e leis universais mediante uma
dedu��o l�gica. Exemplo: num determinado lugar e num determinado tempo, observou-se um
corvo que n�o era negro. Conclus�o: nem todos os corvos s�o negros. Estamos na
presen�a de uma dedu��o logicamente v�lida.
A falsifica��o de enunciados universais pode ser deduzida de enunciados
singulares adequados. O falsificacionista explora ao m�ximo esta quest�o l�gica.
Considera que a ci�ncia � um conjunto de hip�teses que se prop�em a modo de ensaio com
o prop�sito de descobrir ou explicar de um modo preciso o comportamento de algum aspecto
do mundo ou universo. No entanto, nem todas as hip�teses o conseguem. H� uma condi��o
fundamental para que qualquer hip�tese tenha o estatuto de teoria cient�fica ou lei
cient�fica, essa hip�tese tem de ser falsific�vel. E uma hip�tese �
falsificada se existe um enunciado observ�vel ou um conjunto de enunciados logicamente
poss�veis que sejam incompat�veis com ela, isto �, que em caso de serem estabelecidos
como verdadeiros, falsificariam a hip�tese. Exemplos de enunciados que n�o cumprem esse
requisito e n�o podem ser falsificados: "ou chove ou n�o chove", "�
poss�vel ter sorte na especula��o desportiva", etc. Se um enunciado n�o �
falsific�vel, ent�o o mundo pode ter qualquer propriedade e comportar-se de qualquer
maneira sem entrar em conflito com o enunciado. O falsificacionista admite que algumas
teorias passam de facto como teorias cient�ficas somente porque n�o s�o falsific�veis
e deveriam por isso ser eliminadas, embora superficialmente possa parecer que possuem as
caracter�sticas das boas teorias cient�ficas. Para que uma teoria possua um conte�do
informativo, h�-de correr o risco de ser falsificada.
Uma boa teoria ou lei cient�fica � falsificada justamente porque faz
afirma��es definidas acerca do mundo. Uma boa teoria ser� aquela que faz afirma��es
de muito amplo alcance acerca do mundo e que, ao ser testada, resista � falsifica��o.
As teorias que tenham sido falsificadas t�m que ser rejeitadas, visto que, como afirma
Popper, ao descobrirmos que a nossa conjectura era falsa, aprendemos muito sobre a verdade
e chegaremos mais perto dela. Aprendemos com os nossos erros. "A ci�ncia progride
mediante o ensaio e o erro".10 Esta atitude de
"vida ou de morte" choca com a precau��o recomendada pelo indutivista
ing�nuo. Segundo este, s� as teorias que se podem demonstrar � que s�o verdadeiras ou
provavelmente verdadeiras e s� essas devem ser admitidas na ci�ncia. O
falsificacionista, em contraposi��o, reconhece as limita��es da indu��o e a
subordina��o da observa��o � teoria. Os segredos da natureza, somente se podem
descobrir com a ajuda de teorias engenhosas e perspicazes. Quanto maior for o n�mero de
teorias conjecturadas que procuram enfrentar a realidade e quanto maior for o seu n�vel
especulativo, maiores ser�o as oportunidades de realizarmos importantes avan�os na
ci�ncia. N�o existe o perigo de assistirmos a uma prolifera��o das teorias
especulativas, na medida em que aquelas que representam descri��es inadequadas do mundo
podem ser eliminadas drasticamente em fun��o do resultado da observa��o ou de outras
provas. A exig�ncia da falsificabilidade das teorias, origina a atractiva consequ�ncia
de que as teorias sejam estabelecidas e precisadas com clareza.
O progresso da ci�ncia, tal como o v� o falsificacionista, poder�
resumir-se da seguinte forma. A ci�ncia come�a com problemas, problemas que est�o
associados � explica��o do comportamento de alguns aspectos do mundo. O cientista
prop�e hip�teses falsific�veis para solucionar os problemas. As hip�teses s�o
criticadas e comprovadas. Algumas s�o eliminadas rapidamente, outras podem ter mais
�xito. Estas devem submeter-se a cr�ticas e provas mais rigorosas. Quando finalmente se
falsifica uma hip�tese que tenha superado com sucesso uma grande variedade de testes,
surge um novo problema, que � a inven��o de novas hip�teses, seguidas de novas
cr�ticas e provas. Este processo continua indefinidamente. Por isso nunca se pode afirmar
que uma teoria � verdadeira, por muitas provas rigorosas que tenha superado, somente
podemos afirmar que a teoria em vigor � superior �s suas predecessoras, no sentido de
que foi capaz de superar testes que falsificaram as teorias anteriores. No dizer de Popper
"(...) s� h� um caminho para a ci�ncia: encontrar um problema, ver a sua beleza e
apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele at� que a morte nos separe a
n�o ser que obtenhamos uma solu��o. Mas, mesmo que obtenhamos uma solu��o, poderemos
ent�o descobrir, para nosso deleite, a exist�ncia de toda uma fam�lia de
problemas-filhos, encantadores ainda que talvez dif�ceis, para cujo bem-estar poderemos
trabalhar, com um sentido, at� ao fim dos nossos dias".11
A afirma��o de que a origem da ci�ncia est� nos problemas � perfeitamente compat�vel
com a prioridade das teorias sobre a observa��o e os enunciados observ�veis. A ci�ncia
n�o come�a com a pura observa��o. A concep��o falsificacionista, proporciona uma
imagem din�mica da ci�ncia.
O progresso da ci�ncia, exige que as teorias sejam cada vez mais
falsific�veis e em consequ�ncia tenham cada vez mais informa��o, exclui no entanto,
que se efectuem modifica��es nas teorias destinadas simplesmente a proteg�-las da
falsifica��o ou de uma falsifica��o amea�adora. Essas modifica��es, tal como a
adi��o de mais um postulado sem consequ�ncias que n�o tenham sido j� comprovadas,
s�o denominadas de modifica��es ad hoc. As modifica��es ad hoc s�o
rejeitadas pelo falsificacionista, no entanto, existe outro tipo de modifica��es n�o ad
hoc, aceites pelo falsificacionista. Centramos a nossa aten��o na seguinte
proposi��o: "O p�o alimenta". No entanto, em Fran�a, numa determinada
regi�o, o trigo que crescia de maneira normal foi convertido em p�o normal e a maioria
das pessoas que comeu esse p�o ficou gravemente doente. A teoria de que "todo o p�o
alimenta" foi falsificada. Podemos modificar a teoria para evitar a sua
falsifica��o: "Todo o p�o alimenta, excepto, aquele que � produzido numa
determinada zona de Fran�a". Esta � uma modifica��o ad hoc. A teoria
modificada n�o pode ser comprovada de maneira que n�o o seja tamb�m a teoria original.
A hip�tese modificada � menos falsific�vel que a vers�o original. O falsificacionista
rejeita essas ac��es de retaguarda. Como modificar a teoria de uma maneira aceit�vel?
Da seguinte forma: "Todo o p�o alimenta, excepto aquele, cujo trigo � contaminado
por um determinado tipo de parasita". Esta teoria modificada, n�o � ad hoc
porque leva a novas comprova��es. No dizer de Popper, � contrast�vel de forma
independente.
O falsificacionista deve rejeitar as hip�teses ad hoc e estimular a
proposta de hip�teses audazes com melhorias potenciais em rela��o �s teorias
falsificadas. As confirma��es que s�o conclus�es conhecidas de antem�o s�o
insignificantes. Se hoje em dia confirmamos a teoria da gravita��o universal de Newton
atirando uma pedra ao solo, n�o contribu�mos com nada de valor para o progresso da
ci�ncia. Ao contr�rio, se amanh� confirmamos uma teoria especulativa que implica que a
atrac��o gravitat�ria entre dois corpos depende das suas temperaturas, falsificando a
teoria de Newton, teremos realizado um avan�o importante no conhecimento cient�fico.
Logo que Popper formula as suas primeiras posi��es epistemol�gicas, n�o
podia deixar de encontrar no seu caminho os predicados centrais do empirismo l�gico:
antes de mais, as ci�ncias emp�ricas n�o poderiam admitir enunciados que se n�o
apoiassem em observa��es, porque tais enunciados s�o pura e simplesmente desprovidos de
sentido; o m�todo leg�timo das ci�ncias emp�ricas � o indutivo; gra�as a ele, o
esp�rito humano organiza as informa��es que recolhe da observa��o e que se armazenam
passivamente nos seus sentidos e percep��es; s� a observa��o de repeti��es ou de
frequ�ncias na natureza permite ao homem de ci�ncia inferir a exist�ncia de rela��es
constantes formaliz�veis no interior de asser��es gerais (instru��o por repeti��o);
por fim, a acumula��o indefinida de observa��es e experimenta��es permite verificar
progressivamente a justeza ou falsidade das primeiras hip�teses (princ�pio de
verifica��o).
Os te�ricos do C�rculo de Viena pensavam, assim, ser detentores do crit�rio
de demarca��o que permitia separar, na totalidade dos enunciados, o trigo do joio:
um enunciado com sentido era um enunciado capaz de passar com �xito a prova da
verifica��o, ou ent�o, significado de um enunciado � o m�todo da sua verifica��o. A
L�gica da Descoberta cient�fica, editada em 1934, � uma r�plica directa �s
teses do C�rculo de Viena. Karl Popper decide partilhar com os seus leitores uma
convic��o que jamais o abandonar�: o indutivismo, tanto na sua vers�o maximalista
(acesso certo � verdade) como na sua vers�o moderada (acesso prov�vel �
verdade), � um mito que contamina desgra�adamente as ci�ncias da natureza e que deve
ser perseguido sem piedade.
Em primeiro lugar, reconhece a David Hume o insigne m�rito de ter
demonstrado que o m�todo indutivo se privava a si pr�prio de fundamento l�gico. Com
efeito, n�o � poss�vel extrapolar, a partir de uma s�rie finita de observa��es
particulares, um princ�pio de alcance universal generaliz�vel, em seguida, a
observa��es que ainda n�o foram efectuadas. Popper actualiza e radicaliza o
racioc�nio de David Hume que se ligava, apesar de tudo, ao indutivismo por raz�es de
ordem pr�tica e psicol�gica. Um grande n�mero de enunciados singulares nunca permite
inferir um enunciado geral. Em contrapartida, basta um �nico enunciado geral
preexistente. Pouco importa o grande n�mero de cisnes brancos que tenhamos observado;
n�o justifica a conclus�o de que todos os cisnes s�o brancos.
Depois, invertendo a ordem de encadeamento criada pelos partid�rios do
empirismo l�gico, Popper proclama a preemin�ncia absoluta da teoria sobre a
observa��o: em fase alguma do desenvolvimento cient�fico, escreve, come�amos por algo
que n�o seja semelhante a uma teoria, uma hip�tese, uma opini�o preconcebida ou um
problema que, em certa medida, guia as nossas observa��es e nos ajuda a escolher, entre
os in�meros temas de observa��o, aqueles que podem ser interessantes. A observa��o �
sempre selectiva, n�o se resume nunca a sensa��es ou percep��es que o observador se
limitaria a transcrever em relat�rios escritos, � parcialmente determinada pelas
expectativas e problemas que existem no esp�rito do investigador e que ele retira de um
conhecimento anterior (background knowledge). N�o existe observa��o e, de um
modo mais geral, conhecimento que n�o esteja, � partida, impregnado de teoria.
Deveria talvez ter-se dado mais aten��o a Hume, quando ele observou que
n�o � poss�vel validar logicamente a infer�ncia indutiva que do particular passa ao
universal, e prop�s que se transferisse para um outro n�vel, o do h�bito, a sua
explica��o. Foi isso que, como j� se referiu, fez Popper, que prolongou a proposta de
Hume at� � rejei��o da ideia de que a ci�ncia, e mais geralmente o conhecimento, tem
uma base indutiva, substituindo-a por uma actividade conjectural, hipot�tica.
N�o se contesta, nesta orienta��o, o ideal met�dico da ci�ncia moderna,
o que se pretende � transform�-lo colocando a conjectura��o no lugar
tradicionalmente atribu�do � indu��o e substituindo, no mesmo lance, a exig�ncia de
verificabilidade dos enunciados pela de falsificabilidade das hip�teses. Perspectiva que
assim permite, por um lado, que n�o se desvalorizem os saberes n�o cient�ficos,
nomeadamente a filosofia, � qual se atribui um papel preponderante no crescimento do
conhecimento devido � sua singular pr�tica do debate, � particularidade da sua
argumenta��o e � especificidade dos seus problemas; e, por outro lado, que a
concep��o da hist�ria da ci�ncia que sustentava uma vis�o cumulativa dos saberes seja
uma vez privada do seu pressuposto indutivista seriamente abalada. Popper
prop�e uma leitura da evolu��o do conhecimento que corta com a narrativa de uma
progressiva sucess�o de observa��es e de teorias, sugerindo em alternativa que se veja
a hist�ria da ci�ncia como um desenvolvimento problem�tico em que, atrav�s de
tentativas e erros, se v�o resolvendo uns problemas e inventando outros.
A dignidade concedida � refuta��o em detrimento da verifica��o provoca
v�rias consequ�ncias: uma teoria com pretens�o cient�fica deve, em primeiro lugar,
satisfazer uma condi��o de testabilidade. Ser� considerada test�vel a partir do
momento em que se possam inferir de forma dedutiva um ou v�rios predicados que, em
virtude de algumas condi��es chamadas iniciais, poder�o ser confrontados com factos e
submetidos a testes severos e acess�veis. O crit�rio popperiano deve, em segundo lugar,
ser entendido como uma regra de prefer�ncia e n�o como uma regra de justifica��o. O
homem de ci�ncia nunca pode fundar positivamente uma asser��o geral, mas �-lhe
l�cito, em contrapartida, preferir uma asser��o a outra se defrontar mais eficazmente a
prova da experi�ncia. Finalmente, uma teoria nunca � mais do que uma hip�tese, uma
tentativa que tem em vista compreender o mundo, nunca pode ser verificada, mas pode, em
contrapartida, ser corroborada. Ser� considerada corroborada uma teoria que at�
ent�o tenha resistido com �xito aos testes mais severos e n�o tenha sido substitu�da
com vantagem por uma teoria rival. Mas, cuidado, a corrobora��o popperiana n�o � de
forma alguma um suced�neo da confirma��o carnapiana; uma hip�tese corroborada � uma
hip�tese aceite provisoriamente pela comunidade cient�fica, mas cujo destino natural �
ser, um dia, desmembrada pela superveni�ncia de novos factos. No fundo, para Popper, as
teorias mais v�lidas nunca s�o teorias verdadeiras, mas apenas teorias que ainda n�o
s�o falsas. O conhecimento � sempre imperfeito, mas perfect�vel. A verdade absoluta
n�o est� ao nosso alcance; e, ainda que a alcan��ssemos, n�o poder�amos sab�-lo. O real
� uma esp�cie de ideia da raz�o, mas temos motivos para pensar que a ci�ncia se
aproxima progressivamente dele.
"(...) As teorias cient�ficas s�o de tudo o que mais violentamente
est� exposto � cr�tica. S�o elas que, ap�s um processo de depura��o, um processo de
purifica��o, um processo de falsifica��o, temos perante n�s. Creio que as teorias
s�o o que de melhor cont�m o Mundo Tr�s. (...)"12
CONCLUS�O
V�rios foram os epistem�logos e investigadores da
hist�ria das ci�ncias que contribu�ram para uma supera��o da concep��o positivista
da ci�ncia e de forma particular para o surgimento do que se veio a designar por
"nova filosofia da ci�ncia".
De entre outros est� Karl Popper. Este defendeu que n�o existe processo
algum de indu��o pelo qual possam ser confirmadas as teorias cient�ficas.
Popper criticou aquilo a que chamou o mito do "observatismo",
vigente no modelo de investiga��o positivista, segundo o qual a observa��o pode ser
fonte segura do conhecimento. Segundo Popper, por detr�s da ideia de indu��o,
encontra-se a convic��o errada de que o investigador pode observar e experimentar a
realidade sem pressupostos e sem preconceitos. N�o se pode admitir que o esp�rito do
investigador se comporte como uma t�bua rasa, j� que tal seria ignorar o facto de que
sempre se observa e se experimenta em fun��o de problemas, teorias e modelos que
condicionam a investiga��o. Quer na vida quotidiana quer na ci�ncia, a observa��o
n�o � o primeiro passo; h� sempre algo que orienta o conhecimento antecipa��es
e expectativas na vida quotidiana; teorias no plano da ci�ncia. � falso que o cientista
parte de observa��es, tentando generaliz�-las.
O m�todo cient�fico processa-se de outro modo, numa tentativa de provar a
falsidade (e n�o a verdade) das hip�teses de que parte, verificando at� que ponto elas
resistem a hip�teses contr�rias.
Se algu�m pensar no m�todo cient�fico como um meio para justificar
resultados cient�ficos, ficar� decepcionado. Um resultado cient�fico n�o pode ser
justificado. S� pode ser criticado e testado. E nada mais se pode dizer em seu favor
sen�o que, depois de todas essas cr�ticas e testes, ele parece melhor, mais
interessante, mais forte, mais promissor e constituindo uma melhor aproxima��o da
verdade do que dos seus rivais.
O falsificacionista insiste que a actividade cient�fica deve dedicar-se �
tentativa de falsificar as teorias estabelecendo a verdade dos enunciados observados que
s�o incompat�veis com elas. Assim a aceita��o de uma teoria � sempre provis�ria e,
por outro lado, a rejei��o de uma teoria pode ser concludente. No entanto, nada h� na
l�gica deste processo, que exija que seja sempre a teoria a ser rejeitada em caso de
choque com a observa��o. Podemos rejeitar um enunciado observ�vel fal�vel e conservar
a teoria com que choca. Foi o que sucedeu quando se conservou a teoria de Cop�rnico e se
rejeitou a observa��o de que V�nus n�o variava apreciavelmente de tamanho durante o
ano, o que era incompat�vel com a teoria de Cop�rnico. A ci�ncia est� plena de
exemplos de rejei��o de enunciados observ�veis e conserva��o das teorias com que
chocam.
A ess�ncia da postura de Popper sobre enunciados observ�veis � que a sua
aceita��o se mede pela sua capacidade para sobreviver a provas. As que n�o superam as
provas s�o rejeitadas, as que as superam s�o conservadas de modo provis�rio. Popper
sublinha o papel das decis�es dos indiv�duos e grupos de indiv�duos para aceitar ou
rejeitar os enunciados observ�veis que ele define como "enunciados b�sicos".
Assim os enunciados b�sicos s�o aceites como resultado de uma decis�o ou acordo e nessa
medida s�o conven��es. As decis�es conscientes dos indiv�duos, introduz um elemento
subjectivo que choca em certa medida com a posterior insist�ncia por parte de Popper numa
ci�ncia "como processo sem sujeito".
Uma outra limita��o do falsificacionismo resulta do facto de as teorias
n�o poderem ser rejeitadas de um modo concludente, e isto porque os enunciados
observ�veis que servem de base para a falsifica��o poderem resultar falsos � luz de
posteriores progressos.
Se os cientistas tivessem atendido estritamente � metodologia do
falsificacionismo, as teorias que hoje se consideram em geral como os melhores exemplos de
teorias cient�ficas, nunca teriam sido desenvolvidas, porque teriam sido rejeitadas logo
� sua nascen�a. Em qualquer exemplo de uma teoria cient�fica cl�ssica, no momento da
sua primeira formula��o, � poss�vel encontrar afirma��es observ�veis que foram
geralmente aceites nessa �poca e que eram consideradas incompat�veis com a teoria. No
entanto, estas teorias n�o foram rejeitadas e foram fundamentais para o desenvolvimento
do conhecimento cient�fico. As primeiras formula��es de novas teorias, que implicavam
novas concep��es imperfeitamente formuladas, n�o se abandonaram e desenvolveram-se
apesar das aparentes falsifica��es.
Consideramos que o falsificacionismo, apesar da �ptima recep��o e do quase
inconsciente acolhimento que teve nos meios cient�ficos, sobretudo nos mais
experimentalistas, ter� sido um dos �ltimos expoentes de uma concep��o de ci�ncia
regulada pelo conceito de verdade. Nos �ltimos anos, esta concep��o de ci�ncia e a
consequente distin��o entre o grau de certeza das "ci�ncias naturais e
exactas" e a subjectividade das "ci�ncias humanas e sociais" t�m vindo
progressivamente a ser postas em causa por um conjunto de factores, de entre os quais �
poss�vel destacar fundamentalmente este. A introdu��o da no��o de paradigma ao n�vel
da epistemologia e do conceito de revolu��o cient�fica, que lhe corresponde ao n�vel
da hist�ria das ci�ncias. Thomas Kuhn procurava descobrir quais os elementos que um
conjunto de cientistas partilhava com outros, para que fosse poss�vel quer o seu trabalho
de investiga��o, quer a comunica��o com outros investigadores. Chegou assim � no��o
de paradigma enquanto estrutura pr�-conceptual que permite olhar o real, identificar os
fen�menos e classific�-los, antes de passar ao seu estudo mais aprofundado. Esta no��o
representa um golpe extremamente significativo numa concep��o positivista de ci�ncia,
pois admite factores extra-cient�ficos na produ��o do conhecimento cient�fico (o
paradigma � constitu�do por componentes cient�ficas e religiosas, psicol�gicas,
metaf�sicas, etc.). Deste modo, atrav�s de uma concep��o paradigm�tica de ci�ncia
s�o postos em causa os crit�rios que a demarcam de outros saberes pela sua rela��o �
verdade: se um paradigma � a pr�-estrutura conceptual de uma investiga��o cient�fica,
passa a ser descabido opor a ci�ncia �s humanidades e � filosofia, como se a primeira
fosse um conhecimento meramente explicativo e as segundas formas de saber compreensivo e
interpretativo.
Conhecer um facto cient�fico � inseri-lo, atrav�s de um modelo, numa
estrutura pr�via que lhe d� sentido (o paradigma), ou seja, � compreend�-lo e
interpret�-lo.
No nosso entendimento, uma das grandes limita��es do discurso de Popper
reside, na n�o percep��o do significado social do conhecimento cient�fico. Como � que
a sociedade interv�m na ci�ncia? Popper n�o responde a este problema nem � quest�o
crucial da neutralidade da verdade cient�fica. � ou n�o poss�vel uma ci�ncia neutral?
Concluindo, � l�cito afirmar que a tematiza��o do m�todo cient�fico
avan�ada por Popper �, apesar da ampla reformula��o de diversas das suas teses,
solid�ria de uma imagem da ci�ncia que se foi consolidando desde o s�culo XVIII e que
tende a identificar a cientificidade com a racionalidade sen�o com a racionalidade
�no seu todo�, pelos menos com a racionalidade �no seu melhor�. A ideia generalizada
de que em ci�ncia se procura uma adequa��o entre o intelecto e as coisas (conceito de
verdade). Popper n�o supera essa ideia da teoria cl�ssica da ci�ncia. O seu
falsificacionismo, surge como um espa�o de transi��o entre uma vis�o cl�ssica e uma
vis�o nova de ci�ncia. Esta situa��o foi definitivamente superada com o aparecimento
de uma an�lise de ci�ncia que abandonou a abordagem tradicional e que se deve � obra de
T. S. Kuhn, A Estrutura das Revolu��es Cient�ficas.
NOTAS:
1 Karl, Popper, Conjecturas e Refutaciones, Barcelona, Ed.
Paidos, s/d., p. 281.
2 H., Brown, "La nueva filosofia de la ci�ncia",
Madrid, editorial Tecnos, 1983, p. 89.
3 K., Popper, Ob. cit. 57.
4 Ibidem
5 Idem 58.
6 H., Brown, Ob. cit. 90.
7 K., Popper, O futuro est� Aberto, Lisboa, editorial
Fragmentos, 2� ed., s/d., p. 60.
8 Idem 64.
9 K., popper, Conocimiento Objectivo, Madrid, Editorial Tecnos,
2� ed., 1982, p. 83.
10 A., chalmers, Qu� es esa Cosa Lhamada ciencia?, M�xico,
Siglo Vientiuno, s/d., p. 66.
11 K., Popper, O Futuro est� aberto, Lisboa, editorial
fragmentos, 2� ed., s/d., p. 3.
12 K., Popper, O Futuro est� aberto, editorial fragmentos, 2�
ed., s7d., p. 85.
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